Cunha admite votar proposta de Geraldo Alckmin sobre maioridade penal

O presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), afirmou ontem que a proposta do governador Geraldo Alckmin (PSDB) de elevar o tempo máximo de internação de adolescentes infratores não inviabiliza a aprovação da redução da maioridade penal de 18 para 16 anos.
A discussão sobre mudanças nas regras de punição de jovens que cometem crimes ganhou força recentemente após Cunha instalar comissão na Câmara que deve aprovar na próxima semana relatório propondo reduzir a maioridade penal para 16 anos.
Em entrevista ao jornal O Globo de sexta, Alckmin defendeu uma de suas bandeiras na área de segurança, a elevação de três para oito anos no prazo máximo de internação de jovens que cometem crimes hediondos, e disse que ela tem mais viabilidade política para entrar em vigor.
“Vejo essa proposta como uma opção melhor do que uma redução da maioridade penal indiscriminadamente”, disse o tucano, que acredita em uma convergência entre os adversários PT e PSDB.
Em 2012, o senador Aloysio Nunes (PSDB-SP) propôs uma emenda constitucional sobre o tema, prevendo redução da maioridade de 18 para 16 anos só para casos de crimes hediondos. O projeto está liberado para votação em Plenário.
“Propostas como a do governador Alckmin podem ser levadas a voto independente da proposta da comissão (que discute a maioridade). A aprovação de uma não exclui a outra”, disse Cunha no Twitter.
Fonte: O Povo

“Joga pedra na Geni”: entidades e profissionais que, de fato, lidam com menores infratores não são ouvidos quanto à maioridade penal

Só pegando o exemplo de Goiás, a maioria de entidades que lida com aproximadamente 90% dos menores infratores não é ouvida pelos governos e juristas. Citando alguns exemplos, Abrigo Terrafértil, Lar Mãe Zeferina, Hospital de psiquiatria infanto-juvenil Asmigo, Organizações Sociais Irmão Áureo, entre outras, são como a Geni : muito boas de apanhar (só nos procuram para nos encaminharem os adolescentes a partir de seus luxuosos e alto-salários gabinetes refrigerados). Sim, o Brasil é o “Estado do Encaminhamento”: quem encaminha tem verbas a mão cheia, tem prestígio, viagens, congressos, coquetéis, elabora leis, punem os que não as seguem, enfim, “aparece” o tempo todo. Quem faz o “trabalho sujo” tem de ficar no “quarto da empregada”, são as “genis-técnicas”, as “genis-técnicas”, os limpa-trilhos do sistema estatal-jurídico-legal-policial.
A começar que aproximadamente 90% dos adolescentes infratores têm algum problema psiquiátrico. Em nosso hospital especializado em psiquiatria de adolescentes, inclusive com uma área forense para aqueles envolvidos em crimes, uma pesquisa de mestrado mostrou que 95% dos adolescentes que usam droga, por exemplo, têm algum problema mental : hiperatividade, bipolares, epilépticos, oligofrênicos, paranóides, depressão, transtorno de ansiedade, cérebrolesionados, etc.
De cada 10 menores com problemas de conduta (as futuras “personalidades psicopáticas”, “psicopatas”), 10 têm problemas psiquiátricos. Estes são o resultado da conjunção trágica entre um problema cerebral – que está sempre presente – com um problema familiar, que também está quase sempre presente ( pai ou mãe, padrastos, parentes, ausentes, agressivos, criminosos, permissivos, alcoolistas, pervertidos sexuais, toxicômanos, etc). Uma das poucas coisas que o sistema jurídico-policial-legal poderia fazer bem, p.ex., obrigar e punir os responsáveis pelas crianças e os Governos caso não promovam e sigam o tratamento indicado ou necessário (em 35 anos lidando com o problema nunca vi isto acontecer). Aliás, este sistema estatal tem todo tipo de profissional, advogados, promotores, psicólogos, assistentes sociais, educadores, etc, menos o mais básico, aqui no caso do comportamento infracional, o médico psiquiatra. Alguns destes serviços estatais, ao invés de contratarem tais profissionais, usam de sua “força de coerção” (“condução debaixo de vara”, um Juiz, p.ex. me ameaçou com escolta armada) para obrigarem médicos psiquiatras fazerem o serviço, sem nenhum ganho e sem nenhum ressarcimento pelas horas preciosas que perdem com esta clientela.
Mas o Brasil é uma terra onde ninguém lê, e muito menos quer saber de “tese de mestrado”; é também uma terra onde há vários grupos profissionais que precisam dominar a discussão, para ter mais prestígio e prerrogativas estatais.
Sem diagnósticos e tratamentos corretos, uma criança bipolar, por exemplo, pode caminhar para toxicomanias, delinquência juvenil e, depois, tornar-se um verdadeiro “psicopata” (personalidade antissocial ), um homicida, um criminoso completo. Esta sequência médica macabra pode terminar já aos 11 anos de idade, com a morte deles mesmos ou de outros. Enquanto isto os “donos-do-sistema”, aquele “jurídico-policial-estatal-promotorial etc, seguidos pela ingênua e manipulada sociedade civil brasileira (que nunca levanta este tipo de problemática), estão discutindo com qual idade as crianças podem começar a ser presas.
Apesar de minha discussão acima mostrar que o problema do “aprisionamento de menores” está sendo enviesado (ao invés de prisões, estes menores precisariam é de hospital ), algumas pessoas ainda me perguntam: “mas, e no frigir dos ovos, você é contra ou a favor a redução da maioridade?”. Então eu tento responder a esta questão: existe idade para começar a tratar pneumonia? Não, né? Pois é, com esses distúrbios de comportamento (criminalidade juvenil é isto)  é a mesma coisa, tem de começar a tratar desde que eles surjam, seja com que idade for. Se o problema for tratado o quanto antes não vai degenerar em criminalidade tão grave. Só que eu estou falando de tratamento médico-psiquiátrico para esses problemas e não de encarceramento prisional. O encarceramento não passa de um efeito colateral do Estado, mais um, porque algumas corporações profissionais governamentais pegaram esse problema, apropriaram-se dele, só que não é um problema deles. Mas eles não largam o osso porque tem muita grana e prestígio rolando por aí
Um amigo da internet responde: “Mas está mais do que claro que o Estado Brasileiro nunca vai  dar ao problema esta abordagem que você sugere, pois o corporativismo é muito forte. Portanto, dada a conjuntura atual o que fazer? Eu imagino que a redução da maioridade penal seria uma alternativa. De repente até para 14 anos. O que acha?
Eu então respondo: sua questão me lembra o ditado do “voce prefere o espeto ou a brasa?”. No meu ponto de vista, recuso-me a discutir a questão nestes termos: reduzir ou não reduzir a maioridade? Porque discutir assim é continuar escamoteando toda a profundidade do assunto. Toda vez que formos discutir isto , temos de discutir a profundidade e não ficar tapando buracos. Parece até lógico, como voce falou, dizer que: “já que o problema  dos menores infratores não se resolve adequadamente, vamos fechá-los, aprisioná-los” – sim, parece até compreensível que, se não podemos resolver o problema deles vamos resolver o nosso (pelo menos temos o direito de viver e dormir em paz). A questão é que, mesmo que fiquem presos, o Brasil continuará leniente, frouxo, enquanto país, e  isto não mudará. Em poucos meses estarão nas ruas, agora mais revoltados e perigosos ( e ainda sem diagnostico e tratamento). Então, aí  acontece como diz o ditado: “se voce não resolve o problema, não espere que  o problema se resolverá”.
(Marcelo Caixeta, médico, especialista em Psiquiatria do Adolescente pela Universidade de Paris e especialista em Psiquiatria Criminal (Forense  pela Ass. Bras. Psiquiatria). Artigos às terças, sextas e aos domingos) – marcelofcaixeta.wix.com/marcelo)

Fonte: Diário da Manhã

Punição. Como o mundo trata os jovens infratores

Contra ou a favor, há um interesse comum entre os envolvidos no debate sobre a redução da maioridade penal: atenuar a violência no Brasil. A partir de exemplos de outros países, especialistas avaliam as chances de eficácia da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 171/1993 no combate ao crime.
Segundo levantamento de 2009 do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), de 54 países estudados, 78% adotam idade penal fixada em 18 anos ou mais.
“O Brasil está na contramão. Na verdade, a tendência que prevalece em todo o mundo é prever a responsabilidade penal aos 18 anos ou mesmo em patamares mais elevados”, afirma César Barros Leal, procurador e presidente do Instituto Brasileiro de Direitos Humanos.
Na Alemanha, por exemplo, foi criada uma faixa etária especial. Desse modo, os jovens adultos, de 18 a 21 anos, ainda podem responder como adolescentes. A análise costuma ser feita caso a caso. Com o mesmo entendimento, outros países europeus têm optado por penas flexíveis.
De acordo com Barros Leal, embora nações como França e Inglaterra tenham legislações que permitem punição de crianças, as medidas têm sido ineficazes na redução de crimes cometidos por jovens.
Presidente da Comissão da Criança e do Adolescente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-CE), Mirella Tomás afirma que, comparados ao Brasil, países de primeiro mundo obtêm mais eficácia na reinserção do jovem infrator na sociedade. “A Espanha voltou atrás na decisão de reduzir a maioridade porque não houve uma melhora qualificativa no crime”, cita.
Meio social
Especialista em direitos da criança e do adolescente, Rafael Souza Barreto explica que a Europa tem adotado medidas alternativas para combater o crime entre jovens. Em vez de investir no encarceramento, os recursos são destinados a políticas públicas.
Na Suécia, relata o advogado, o fechamento de presídios não fez crescer a violência no país. “Se houvesse uma relação entre prender e combater o crime, ele deveria ter aumentado entre os suecos”, diz.
Para Souza Barreto, a criminalidade entre adolescentes é reflexo da sociedade em que estão inseridos. Comparar países, afirma, não é tão simples. “Na Índia, a proporção de encarceramentos é menor que no Brasil. São sociedades (as asiáticas) com menos dos dois maiores catalisadores da violência: drogas e armas.”
Cingapura registrou a 2ª menor taxa de homicídios do mundo em 2012 (0,2 por 100 mil habitantes). O jovem infrator cingapuriano pode sofrer sanções especiais a partir dos 10 anos. “A maioridade não tem a ver porque a criminalidade é mínima como um todo. O país oferece educação universal de qualidade”, justifica. Segundo Souza Barreto, a ilha asiática também é um dos países menos corruptos do mundo. (Isabel Filgueiras)
Fonte: O Povo

Pediatras se manifestam contra a redução da maioridade penal

A maior entidade de especialidades médicas do Brasil, a SPB (Sociedade Brasileira de Pediatria), resolveu se manifestar publicamente contra a proposta de redução da maioridade penal, de 18 para 16 anos, em discussão no Câmara dos Deputados.
A reportagem é de Jairo Marques, publicado no portal Uol, 03-06-2015.
Congregando 22 mil pediatras em todo o país, a SBP defende que “medidas realmente eficazes sejam adotadas para o real cuidado e proteção da criança e do adolescente desde sua concepção, pelos direitos que lhes são inerentes como cidadãos, como a melhor e mais eficiente forma de prevenir a formação de indivíduos violentos”.
A entidade elaborou um documento público, a ser divulgado nos próximos dias, sobre seu posicionamento.
Assinado por membros do departamento científico da entidade, o documento tem três eixos principal de argumentação: a desproteção do Estado às necessidades do adolescente, dados estatísticos envolvendo criminalidade e menores de 16 anos e ações necessárias para a boa formação do adolescente.
Ao longo do texto, os pediatra enfatizam que antes da passagem para a vida adulta, o indivíduo precisa atravessar uma fase de formação que passa por desenvolvimento físico e psíquico.
“Como nessa fase [adolescência] a condição de sobrevivência está na dependência do mundo adulto, seguramente não será no sistema penal que esses jovens irão encontrar os referenciais positivos que necessitam para um desenvolvimento sadio”, afirma trecho do documento.
Os médicos defendem ainda a eficácia e o rigor das penalidades já existentes hoje para os menores de 16 anos descritas no Estatuto da Criança e do Adolescente e citam que 54 países que adotaram a diminuição da maioridade penal não conseguiram “bons resultados na reincidência de crimes”.
A decisão da SBP foi chancelada por suas 27 filiadas espalhadas pelo país.

Documentário apresenta motivos para não reduzir a maioridade penal

Para o advogado e vereador de São Paulo Ari Friedenbach, a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos é um equívoco. Segundo ele, a forma como a discussão vem sendo debatida é muito rasa. “Há um golpismo dos deputados que defendem a redução ao dizer que está se baseando na vontade popular. Nem sempre a vontade da sociedade é o caminho mais correto”, afirmou.De acordo com Friendenbach, que teve a filha assassinada por menores, a redução vai fazer com que traficantes e assassinos recrutem pessoas ainda mais jovens para cometerem os crimes.
Segundo um dos menores entrevistados para o documentário, a redução seria ruim para todos os jovens que estavam na mesma vida que ele levava. “Quando eu tava lá fora eu não estudava, aqui eu estudo. Aqui eu passei a ter um projeto para a minha vida, pensei em tudo o que fiz de errado e não quero repetir”, afirmou.
A Fundação Casa, em São Paulo, tem quase 10 mil jovens e não chega a 3% o número dos que praticaram crimes hediondos, como estupro, latrocínio e homicídio. A maioria dos menores que estão internados na Fundação tem entre 15 e 17 anos e grande parte não terminou o ensino fundamental. Cerca de 95% tem defasagem da série escolar.
Segundo dados da instituição, a maioria deles vem da classe pobre e de uma família desestruturada. Há jovens analfabetos e que foram ao dentista pela primeira vez ao chegarem na fundação.
Maioridade Penal x Responsabilidade Penal
O juiz e professor de direito penal Guilherme Madeira Dezen afirma, no vídeo, que os dados passados para a sociedade são falseados. Segundo ele, poucos são os países que não têm a maioridade penal aos 18 anos.
“A responsabilidade penal no Brasil é uma das mais baixas do mundo. Aos 12 anos, o menor infrator já responde pelo crime que tiver cometido”, explicou.
O juiz Dezen garante que a lei por si só não é suficiente para impedir ou reduzir a criminalidade, mas que não há uma solução imediata para o problema.
“É preciso aceitar um trabalho de longo prazo e esse é o problema. Só vamos resolver isso fundamentalmente com educação”, concluiu.
A ex-ministra dos Direitos Humanos Ideli Salvatti explica que quando são aplicados os princípios do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) no sistema socioeducativo a reincidência dos menores cometerem crimes tende a zero.
“Se reintegramos de forma efetiva não teremos um aperfeiçoamento da criminalidade”, disse. Para ela, a sociedade e o governo também são responsáveis pelo adolescente e não só a família.
Para Juninho Jr, do Circulo Palmares, os jovens brasileiros são muito mais vítimas do que causadores de violência.
“O que carrega essa bandeira de que os jovens cometem muitos crimes é a cultura do medo incentivada pela mídia. Isso é construído por meio de uma identidade étnico racial”, comentou.
“Você não garante o direito dessas pessoas na periferia, mas o estado armado está sempre lá”, completou.
Presídios
Outro grande problema apontado pelo documentário são os presídios. Maria Laura Canineu, da Human Rights Watch, afirmou que no país estes ambientes não são de nenhuma forma um lugar adequado para os adolescentes infratores e que não vão facilitar a ressocialização deles à sociedade.
“Os presídios brasileiros violam de forma grave os direitos humanos e deixariam os jovens em condições desumanas. Isso só facilitaria o fortalecimento e desenvolvimento das facções criminosas e aumentaria a criminalidade no futuro”, afirmou.
Fonte: Vermelho
Abaixo segue o documentário:

A criança e o adolescente não são problema

Estamos para discutir e votar no Congresso Nacional a questão da redução da maioridade penal. E a propaganda feita pelos meios de comunicação está “vendendo” ao povo que esta seria a solução para a questão da violência praticada por menores em nosso país.
Realmente é revoltante o que hoje acontece com aparente impunidade. Muitos dos crimes que estão acontecendo, infelizmente, são praticados por menores infratores na nossa cidade. Nós nos solidarizamos com as vítimas e as suas famílias. Não é simples ver isso acontecer ao nosso redor. A vida humana está tão banalizada, e se perdeu o sentido de que o nosso corpo é templo do Espírito Santo quando observamos cenas de violência, com facadas em pessoas de bem ou roubos da mesma maneira, que são transformados em latrocínio. Quando não com as chamadas “armas brancas”, ocorrem também com outro tipo de armas que amedrontam o cidadão. Quantos assaltos ocorrem em nossas cidades, uma parte praticado por adolescentes. Eu mesmo fui vítima de um desses assaltos.
Mas eu pergunto: reduzir a maioridade penal irá resolver a espiral de violência praticada por menores infratores? Se a prisão pura e simples resolvesse a questão da violência, o nosso país seria um Oásis com tantas pessoas presas. Porém, nós sabemos que acontece exatamente o contrário, pois a prisão não reeduca e, pensando apenas em punir, oferece ocasião de um aprendizado maior do crime. 
Com relação aos menores, creio que são dados conhecidos dos leitores a quantia de menores assassinados em nosso país e, de maneira especial, em nossa cidade. Infelizmente, o principal problema é que a sociedade está doente e sem rumo. As atuais circunstâncias sociais e culturais deixaram-nos à mercê de uma vida sem sentido e com uma disputa pelos bens materiais em que vale tudo para conseguir. Um país que não quer permitir orientações éticas e morais, ou mesmo religiosas, para seus adolescentes está fadado a deixar que a violência os oriente nas estradas da vida. Depois: o Estatuto da Criança e do Adolescente até hoje não foi aplicado como deveria. Apenas naquilo que interessa a alguns, mas nunca com a seriedade com que foi escrito. Na falha nessa aplicação, agora divulga que a solução é colocar mais pessoas no presídio. Estaremos construindo um país ingovernável e violento cada vez mais.
Com a falta de famílias, ambientes sadios, escolas de qualidade, saúde, lazer e uma vida digna, com o necessário para viver, e sendo cooptados pelo trabalho imoral e vivendo em ambientes violentos nós nos perguntamos se as crianças têm segurança para crescer, como ensinou Jesus, “em estatura, graça e santidade”, ou se elas aprendem o contrário da vida e assim são vítimas da violência que grassa por todos os lados.
É perversa a PEC 171, em tramitação no Congresso Nacional, que propõe a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos. Qual a motivação da redução da maioridade penal? Prender os adolescentes das periferias existenciais, das comunidades ou aqueles que são marginalizados pela sociedade? Vivemos um momento de desvalorização de uma grande conquista da sociedade brasileira, que foi o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA. As crianças e adolescentes não podem ser vítimas da sede de vingança que muitas vezes se forma pela paixão do revanchismo. (Aliás, somos campeões em fazer leis exageradas nos momentos de paixões e revoltas).
Existe violência sim, mas esta violência deve ser combatida com educação para os adolescentes, e de perspectiva de inserção no mundo do trabalho. Necessitamos de um outro país em que os valores sejam vividos e ensinados e a família valorizada.
O ECA prevê seis medidas educativas para menores infratores: advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, semiliberdade e internação. Recomenda que a medida seja aplicada de acordo com a capacidade de cumpri-la, as circunstâncias do fato e a gravidade da infração. Muitos adolescentes, que são privados de sua liberdade, não ficam em instituições preparadas para sua reeducação, reproduzindo o ambiente de uma prisão comum (quem conhece esses locais de privação de liberdade, superlotados e sem orientação sabe muito bem que não é esse o espírito da lei). E mais: o adolescente pode ficar até 9 anos em medidas socioeducativas, sendo três anos interno, três anos em semiliberdade e três anos em liberdade assistida, com o Estado acompanhando e ajudando a se reinserir na sociedade. Atualmente querem fazer uma lei que autoriza a prender menores de dezoito anos em prisões comuns, quando o Estado não conseguiu locais suficientes para reeducá-los nas “prisões” de crianças que já existem. Não adianta só endurecer as leis se o próprio Estado não as cumpre!
Não adianta apenas punir os jovens. Muitos, infelizmente, querem banalizar e esconder as reais causas da violência no nosso país. As políticas e ações de natureza social que desempenham um papel importante na redução das taxas de criminalidade são quase nulas ou inexistentes. As causas da violência e da desigualdade social não se resolverão com adoção de leis penais mais severas ou de redução da maioridade penal, discussão parlamentar que está sendo proposta de afogadilho. Urge uma tomada de consciência para que sejam tomadas medidas capazes de romper com a banalização da violência e seu ciclo. Ações no campo da educação, por exemplo, demonstram-se positivas na diminuição da vulnerabilidade de centenas de adolescentes ao crime e à violência. Infelizmente, os responsáveis pela educação estão mais preocupados com os “gêneros” e outros tipos de orientação educacional do que com uma verdadeira formação dos nossos jovens e adolescentes para a paz e a fraternidade conscientes. Precisamos valorizar o jovem, considerá-lo como parceiros na caminhada para a construção de uma sociedade melhor. 
Eu me recordo da dedicação de um homem de Deus a esta causa, a quem faço uma homenagem: ele é um filho destas terras cariocas que em breve veremos elevado às glórias dos altares: Dom Luciano Mendes de Almeida. Devemos a ele o trabalho ingente de fundação da Pastoral do Menor, que tantos benefícios tem feito ao Brasil. Um trabalho de prevenção com as dificuldades e parcas verbas, mas que tem um belo e importante trabalho pelo Brasil. Aqui no Rio de Janeiro esse trabalho foi fundado pelo meu querido predecessor D. Eugênio Araújo Sales e tem sido levado adiante com muito carinho, enfrentando os problemas pelos voluntários que a compõem. 
A Pastoral do Menor Nacional, em 14 de outubro de 2014, emitiu um manifesto que traduz o pensamento da Igreja: “reduzir a maioridade penal e aumentar o tempo de internação significa simplesmente responder de forma banal e genérica para uma situação complexa e importante”. A Pastoral do Menor tem plena certeza de que, quer seja do ponto de vista legal, humano e, sobretudo cristão, que a redução da maioridade penal e qualquer outra proposta de redução dos direitos de crianças e adolescentes vai não somente contra o Estatuto da Criança e do Adolescente, mas também aos planos de Deus. Para Deus existe somente um caminho: garantir a vida e vida em abundância a crianças e adolescentes por meio de políticas públicas universalizadas, que permitam que elas se desenvolvam num contexto de possibilidades e oportunidades. Deus não quer ninguém na cadeia, sobretudo crianças e adolescentes!!! Como dizia nosso fundador Dom Luciano Mendes de Almeida: “crianças e adolescentes não são problema, sim solução”. 
Orani João, Cardeal Tempesta, O. Cist. – Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ. 

6 razões técnicas para dizer não à redução da maioridade penal

Sintoma do recrudescimento das forças conservadoras no país, o debate sobre a redução da maioridade penal está nas ruas e nas redes. E conforme já anunciou o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), deve ser votado pela casa até o final deste mês. Mas o viés oportunista que o vem pautando, especialmente na mídia policialesca, não guarda rastro na realidade. Os dados concretos comprovam que a medida defendida com unhas e dentes pela ultradireita não é caminho para a promoção da segurança pública.
Pesquisa divulgada esta semana pelas secretarias Nacional de Juventude (SNJ) e de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) da Organização das Nações Unidas (ONU), demonstra que os jovens já são a maioria da “hiperpopulação” carcerária brasileira há pelo menos uma década. O que não têm contribuído em nada para a reversão da escalada da violência no país.
O estudo, batizado de “Mapa do Encarceramento: jovens do Brasil”, revela que são muitas as razões para que a matéria legislativa seja analisada com menos pirotecnia midiática e mais bom-senso. O problema é que Cunha sabe que a população, insuflada pela mídia conservadora, aposta na medida como solução para todos os problemas de segurança. E, por isso, se arrisca até a flertar com práticas democráticas que abomina em outros casos, como a realização de um plebiscito para decidir o assunto.
Às forças progressistas que entendem a criminalidade juvenil como problema social e não de polícia, restam os argumentos técnicos para enfrentar mais esse debate que atropela o relógio. “A maioria dos países fracassou ao priorizar políticas punitivas porque as causas dos crimes não foram reduzidas. Não é solução colocar mais gente na cadeia. Por isso, temos recomendado que o país não mude a situação da maioridade penal”, alerta o coordenador das Nações Unidas no Brasil, Jorge Chediek.
Confira abaixo alguns dos argumentos técnicos para rechaçar a redução da maioridade penal, tão bem retratados pelo “Mapa do Encarceramento: jovens do Brasil”:
1 – O sistema prisional brasileiro não comporta redução da maioridade penal
De 2005 a 2012, o número de presos aumentou 74% no país, que passou a ocupar o quarto lugar no ranking de maior população carcerário do mundo. Eram 296.919 presos há 10 anos. Hoje são 515.482.  Todos estados brasileiros já estão com superpopulação carcerária. A média do Brasil é 1,7 preso para cada vaga, a um custo variando entre R$ 2 mil e R$ 3 mil por preso. Em Alagoas, existiam 3,7 presos para cada vaga em 2012. Em Pernambuco, a proporção era de 2,5. Em todas as unidades da federação há mais presos do que vagas existentes. E o que a realidade mostra é que o fenômeno do “hiperencarceramento” não tem contribuído para a redução da violência.
2 – O judiciário brasileiro já não dá conta do serviço que tem!
Praticamente quatro em cada dez presos brasileiros estão detidos sem terem sido julgados. Segundo a pesquisa, feita a partir dos dados do Sistema de Informações Penitenciárias (Inforpen), 38% dos presos ainda sequer foram julgados. Mais impressionante é constatar que 18,7% do total nem deveria estar presos, porque o código penal prevê penas alternativas para os crimes que cometeram.  Ainda que se possa criticar privilégios e descompromissos do Judiciário, é preciso no mínimo questionar qual impacto a redução da maioridade penal traria sobre o serviço por ele prestado. Abandonar jovens encarcerados é solução para algum problema?
3 – Os jovens brasileiros já são maioria nos presídios há pelo menos uma década. E isso não reduziu a violência. Pelo contrário!
Os jovens de 18 a 29 anos representam 54,8% hoje da população carcerária brasileira. Na verdade, em todos os anos da série histórica, de 2005 a 2012, a maioria da população prisional do país era composta por jovens entre 18 e 24 anos. Em 2005, dentre os presos para os quais havia essa informação disponível, 53.599 tinham entre 18 e 24 anos e 42.689, entre 25 e 29 anos. Já em 2012, 143.501 tinham de 18 a 24 anos e 266.356 destes tinham entre 25 e 29 anos.
4 – Adolescentes também são punidos sim. O que falta é ressocialização!
A taxa nacional de adolescentes cumprindo medida restritiva de liberdade era de 95 por 100 mil habitantes em 2011 (19.595 adolescentes). Passou para 100 adolescentes por 100 mil habitantes em 2012 (20.532). Portanto, um aumento de 5% na taxa nacional em apenas um ano.  Nos estados, as situações são diversas: doze estão abaixo da média, com destaque para o Rio Grande do Norte, que teve redução de 45% na taxa de encarceramento. Por outro lado, 13 estados ficaram acima da média nacional, com destaque para Alagoas que, em 2012, prendeu 125% mais adolescentes do que no ano anterior.
5 – Os jovens são as vítimas. Não os carrascos! 
Dos mais de 20 mil jovens de 12 a 17 anos cumprindo medida socioeducativas, apenas 9% cometeram crimes contra a vida. Entre os adultos, o índice é de 12%. Por outro lado, os homicídios são hoje a principal causa de morte de jovens de 15 a 29 anos no Brasil. E atingem, de forma seletiva, mais jovens negros, do sexo masculino, moradores das periferias e áreas metropolitanas dos centros urbanos. Dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM)/Datasus, do Ministério da Saúde, mostram que mais da metade dos 56.337 mortos por homicídios em 2012 no Brasil eram jovens (27.471, equivalente a 52,63%), dos quais 77% negros (pretos e pardos) e 93,30% do sexo masculino.
6 – O sistema carcerário brasileiro é seletivo por perfil racial, social e de gênero 
O Mapa do Encarceramento comprova também que o sistema carcerário brasileiro é seletivo: atinge prioritariamente jovens pobres, negros e do sexo masculino. Em relação à raça, as diferenças são gritantes. Em 2005, havia 92.052 negros presos e 62.569 brancos, ou seja, 58,4% do total de encarcerados, cuja maioria é jovem, eram negros. Já em 2012, havia 292.242 negros presos e 175.536 brancos, ou seja, 60,8% da população prisional era negra. Em 2012, para cada grupo de 100 mil habitantes brancos acima de 18 anos havia 191 brancos encarcerados, enquanto para cada grupo de 100 mil habitantes negros acima de 18 anos havia 292 negros encarcerados. Proporcionalmente, o encarceramento de negros foi 1,5 vez maior do que o de brancos.
A seletividade do sistema penal existe também no perfil etário da população carcerária. Em 2012, para cada grupo de 100 mil habitantes jovens acima de 18 anos havia 648 jovens encarcerados, enquanto para cada grupo de 100 mil habitantes não jovens acima de 18 anos havia 251 encarcerados. Em outras palavras, o encarceramento de jovens foi 2,5 vezes maior do que o de não jovens em 2012.
Já em relação ao gênero, os homens continuam sendo maioria (93,83%) da população carcerária, embora o número de mulheres presas venha aumentando muito: cresceu 146% em oito anos, contra 70% dos homens.  Em 2005, elas eram 4,35% da população prisional e em 2012 elas passaram a ser 6,17% da população prisional total. Portanto, em 2005, para cada mulher presa existiam 21,97 homens. Já em 2012, esta proporção diminuiu para 15,19.

O velho novo debate da maioridade penal

A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 171/93, que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos, repousou por 22 anos nos arquivos da Câmara dos Deputados até ser aprovada, em abril deste ano, na Comissão de Constituição de Justiça (CCJ) da Casa. A aprovação foi fruto de um esforço pessoal do presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que, apoiado por um Congresso de maioria conservadora, não se acanhou em levantar a bandeira da constitucionalidade da mudança de uma clásula pétrea da Constituição Federal. De acordo com a teoria do presidente da Câmara, se o cidadão aos 16 anos está habilitado para votar, ele pode ser responsabilizado penalmente.
Do outro lado está o governo federal, que se opõe à mudança e argumenta que a redução da maioridade penal não vai reduzir a criminalidade no País. A PEC 171/93 ainda precisa ser aprovada em dois turnos nos plenários da Câmara e do Senado, por três quintos dos parlamentares, para então começar a valer. Se aprovada, a medida não poderá ser vetada pela presidente Dilma Rousseff, por se tratar de uma PEC, mas pode ser barrada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), já que grande parte dos juristas considera a redução da maioridade penal inconstitucional.
Quem lida com o tema da infância e juventude faz um alerta de que é preciso discutir o assunto com menos paixão e mais razão. O coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça da Infância e da Juventude (CAOPJIJ) do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MP-RJ), Marcos Moraes Fagundes diz que a redução não resolve os problema que a sociedade vive hoje. “Ela é apenas uma solução simplista para uma situação grave que enfrentamos”, explica. Fagundes compara a medida ao mesmo que dar um remédio de dor de barriga para quem está com febre. “É puramente imediatista, e se reduzirmos a idade penal pensando nas exceções vamos comprometer o futuro e a possibilidade de uma geração inteira de jovens”, afirma, lembrando que não existe um estudo que mostre a verdadeira eficácia da medida.
Fagundes ressalta ainda que o sistema penitenciário já está superlotado e não tem estrutura para absorver uma demanda ainda maior. “As medidas sócio educativas precisam ser aplicadas corretamente e isso, sim, deve ser melhorado”, diz. Ele completa afirmando que o Lgislativo não pode agir com sentimento de vingança ou pensando que desta forma fará justiça. “O Congresso deve propor uma solução estrutural e a longo prazo. Não podemos acompanhar a ótica da sociedade imediatista, que busca a justiça a todo custo diante deste quadro caótico de insegurança pública”.
Os números da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp) do Ministério da Justiça não confirmam a tese, alardeada por defensores da redução da maioridade penal, de que menores são autores da maior parte dos crimes cometidos no País. A estimativa é de que jovens na faixa etária de 16 a 18 anos são responsáveis por 0,9% do total de crimes praticados no País. Se forem considerados os homicídios e tentativas, o percentual cai para 0,5%. Também contrária à mudança na legislação, a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPGE) argumenta que a decisão é inconstitucional, além de trazer prejuízos na defesa da criança e do adolescente.
Para a coordenadora de Defesa da Criança do Adolescente da Defensoria Pública, Eufrásia Maria Souza das Virgens, o problema nos dias de hoje é a sensação de impunidade que existe, sobretudo, nos casos de maior repercussão envolvendo adolescentes infratores. “É em geral em torno desses crimes que se constroem os principais argumentos em favor da redução penal Entendemos pela inconstitucionalidade da PEC 171/1993 e demais propostas, visto que a imputabilidade penal a partir dos 18 anos é cláusula pétrea da Constituição, imutável, além de ser o Brasil signatário dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos, que expressamente são contrários ao respectivo projeto”, explica.
O estudo do Índice de Homicídios na Adolescência (IHA), de 2012, uma ação do Programa de Redução da Violência Letal Contra Adolescentes e Jovens (PRVL), mostra que mais de 36,5% das crianças e adolescentes no País foram vitímas de homicídio. Só no Rio, 87,5% são vitímas de crimes, segundo o Dossiê Criança e Adolescente, divulgado no ano passado. Diante destes números, Eufrásia afirma que a sociedade só enxerga quando o menor é autor e esquece que na maioria das vezes ele é vitíma do sistema. “Em vez de garantirem os direitos das crianças e adolescentes, estão querendo dar mais responsabilidades, quando o debate deveria ser outro, ou melhor, sobre as instituições e centros de reabilitação em que o sistema é falho”, afirma. De acordo com o IHA, enquanto quase 90% das vitimas são menores, apenas 11% são infratores.
O professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Direito Rio André Mendes não acredita que a medida contribuirá para a redução da criminalidade. “Encarceramento em massa não reduzirá a criminalidade. Contando as pessoas detidas em prisão domiciliar, o Brasil tem a terceira população carcerária do mundo”, afirma. Atualmente, existe um déficit de mais de 350 mil vagas no sistema, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Mendes explica que a atual política criminal não tem produzido mais segurança e nem reduzido a criminalidade.

Razões para você ter medo da redução da maioridade penal

Um dos aspectos mais preocupantes no debate sobre a redução da maioridade penal é o fato de que as pessoas estão se posicionando de um lado ou de outro a partir de argumentos prontos, pasteurizados por uma imprensa sensacionalista que busca audiência transformando a tragédia diária num espetáculo de horror. Mas você realmente parou para pensar sobre o tema, de forma calculada?
É curioso como a grande mídia neste caso tem um papel importante, embora não assumido, na condução das opiniões a favor da redução da maioridade penal. O sensacionalismo depende de emoção e, de fato, sob essa condição, é compreensível que qualquer notícia de crime cometido por menor cause comoção e sentimento de revolta no “cidadão de bem”.
Mas extraindo-se o apelo emotivo dessa bandeira, há de fato razões objetivas para defender a redução da maioridade penal? Ao pensar analítico, é quase certo que não. Mas não pelas mesmas razões que deixam raivosos aqueles que logo lançam mão do argumento infantil tradicional “está com dó, leva pra casa”, ou “direitos humanos para humanos direitos” e que tais. As razões são bem mais viscerais.
A 1ª razão: medo de ser enganado quanto à eficácia e a relevância
Ao acompanhar mais atentamente o noticiário, cada vez que dados de criminalidade são divulgados, deparamo-nos com uma realidade estatística conflitante. Ainda que haja alguma polêmica sobre os percentuais, é fato que algo entre 1% e 12,5% dos crimes (totais) são cometidos por menores de 18 anos. Uma parcela ainda menor refere-se aos crimes realmente graves. Além disso, segundo o IBGE, algo em torno de 8,6% da população tem entre 15 e 19 anos. E a redução da maioridade penal atingiria apenas uma parcela, os de 16 a 18 anos. Quer seja no universo dos crimes, quer seja no âmbito da representatividade populacional, a questão atinge uma massa estatisticamente pouco relevante. E não é só. Numa tentativa de embaralhar essa compreensão, é comum ver a citação de dados sobre a maioridade penal em outros países. As citações em geral não abordam o fato do Brasil estar alinhado com aproximadamente 70% das nações do mundo nessa questão. Isso porque adoram adotar exemplos de suposta responsabilização penal de menores 18 anos, sem mencionar o fato de que ela é similar ao que já acontece no Brasil: trata-se de responsabilização juvenil, com critérios diferentes dos adultos. Do mesmo jeito que temos no Estatuto da Criança e do Adolescente.
Claro, sempre haverá o exemplo dos Estados Unidos. Afinal, a turma do “tá com dó, leva pra casa”, adora o Tio Sam. O que não sabem é que mesmo lá a discussão caminha para o lado oposto ao daqui: vários estados estão criando legislações para dificultar a responsabilização de menores da mesma forma que os adultos.
E mesmo que numericamente seja comprovada uma medida inócua no combate à violência, o assunto é apresentado como a solução para os problemas de segurança no país. Por quê? Quem ganha com isso?
Simples: é uma questão de “sensação de segurança”. A opinião pública, mesmo sem de fato refletir sobre esses dados, comprou a ideia de que essa é a solução. E “soluções” implantadas dão votos. Ainda que não resolvam nada. Ou pior ainda, mesmo que ajudem a agravar a situação. Mas sobre isso vou falar mais adiante.
2ª razão: medo de ser financeiramente lesado
Um menor infrator preso no sistema carcerário convencional vai custar mais caro no bolso do cidadão do que,
a) no sistema educacional, aprendendo e b) numa instituição de ressocialização como estabelece o Estatuto da Criança e do Adolescente.
A primeira comparação é simples. Basta uma rápida pesquisa no Google para receber uma enxurrada de estudos e estatísticas de caráter científico, artigos e levantamentos, demonstrando que alunos da escola pública custam algo entre um quinto e um décimo do custo de um preso. Mesmo que façam todas as refeições na escola, além de estudar. Mas ela sozinha não diz muita coisa, é fato. Para ter valor é preciso garantir que as crianças fiquem de fato na escola pública, e longe da vida criminosa.
A segunda requererá um pouco mais da lógica matemática e analítica do leitor. Isso porque é bem difícil encontrar uma única iniciativa pública que de concretize realmente os requisitos de ressocialização estabelecidos no ECA. A única certeza é que os R$ 7,1 mil (dados de 2013) por mês gasto, por exemplo, pelo Estado de São Paulo são um valor muito alto para os resultados apresentados.
Mas vamos fazer uma analogia com o sistema carcerário convencional, para o qual estudos são mais abundantes. Os últimos dados divulgados mostram que um preso federal custa R$ 3,4 mil por mês. Aos estados, em média, os presos custam cerca de R$ 1,8 mil. Em um ano, os custos atingem R$ 40,8 mil e R$ 21,6 mil. Mas o índice de reincidência é de absurdos 70%. Numa prisão modelo alternativa, humanizada — embora não para menores — como as Apac (Associação de Proteção e Amparo aos Condenados de Itaúna – MG), o custo pode ser bem menor, da ordem de R$ 1 mil. E a reincidência cai para apenas 15%. Isso em se tratando de adultos já formados. Imagine o potencial disso em adolescentes confusos e prontos para serem “tutoriados”, ensinados.
3ª razão: medo de tornar seu futuro ainda mais violento
O ECA se preocupou em criar redes de amparo e diferenciar menores infratores de adultos para efeito de reclusão. Sim, reclusão de infratores. Ela está prevista no estatuto, não é preciso criar novas leis. Menores de 18 anos podem sim sofrer penas e pagar por seus erros. Aliás, pagam. mas a separação entre jovens e adultos levava em conta uma preocupação com o futuro. Não, não apenas o conhecido (e igualmente importante) discurso sobre o futuro desses jovens. Mas também o futuro do resto da sociedade.
Explico: há mais chances de concluir que um adulto, que ingressou no mundo do crime mais tarde, fez essa escolha de forma mais ou menos consciente, depois de ter sido exposto a outras experiências de vida em sociedade, do que concluir a mesma coisa de uma criança e um adolescente. É entre 12 e 16 anos que a maioria dessas crianças começa a ficar exposta às ruas. No início, praticando pequenos delitos, ligados ao consumo de drogas, ou usados como “aviõezinhos” do tráfico.
O período coincide com o abandono da escola. Não o abandono que produz estatísticas de evasão escolar. O abandono invisível, oculto pela progressão continuada. Essa criança mal chegou à idade de iniciar experiências como aprendiz, estagiário, trabalhador de fato aos 16 anos. E começa conhecendo apenas o mundo da violência. Não precisa ser especialista — acredite, basta ser pai e mãe — para saber que nesta fase da vida são tendem a ser revoltados, facilmente moldáveis, tanto quanto manipuláveis. E se forem encarcerados de forma duradoura numa penitenciária, estará iniciado o caminho sem volta, o da verdadeira universidade do crime.
Imagine que nosso sistema prisional tem um índice de “reincidência” de 70%. Com pessoas que muitas vezes já aprenderam a fazer outras coisas. E como será com jovens, na fase mais produtiva de suas vidas, quando saem das cadeias aos 30 ou 35 anos, sem nunca terem aprendido mais nada. Nem mesmo o ensino médio tiveram? Já pensou como será?
Na melhor das hipóteses, já há experiências consolidadas mostrando que a violência não será reduzida. Mas aqui é Brasil, país com milhares de outros problemas culturais e estruturais. Quer apostar que a violência e a crueldade dos crimes aumentarão?

“O medo disseminado gera ódio contra os jovens”, diz Vera Malaguti Batista

Vera Malaguti Batista, secretária-geral do Instituto Carioca de Criminologia (ICC), garante que a situação só irá piorar caso a redução da maioridade penal seja aprovada. Segundo ela, a proposta fará com que jovens que cometem infrações leves sejam jogados “dentro de facções, obrigando-os a se filiarem”. Em comparação com o Brasil do século 19, a professora do curso de Pós-Graduação em Criminologia e Direito Penal do Instituto Superior do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro diz que o medo da rebelião escrava motivou o endurecimento penal para 14 anos, na época. Sobre o cenário atual, os argumentos favoráveis à redução possuem o mesmo motivo: o medo disseminado, gerando conservadorismo e discurso de ódio vingativo contra os jovens.
Pós-doutora em Ciência da Saúde Coletiva na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), ela ainda defende um plebiscito para promover um debate amplo sobre o assunto, que não acontece porque os políticos seriam reféns da grande mídia e faltaria coragem dessa classe para “afrontar as opiniões hegemônicas”. Leia a entrevista concedida à Brasileiros:
Brasileiros – Como você vê essa questão da redução da maioridade penal na situação política do País?
Vera Malaguti Batista: Realmente um País que não tem um bom projeto educacional partir para um projeto penal é um sintoma de um momento que vivemos no Brasil: Uma representação política completamente contaminada por uma pauta não só conservadora, mas oportunista e ao mesmo tempo suicida. Se nós aprovarmos isso, como se está aprovando tudo sem a menor discussão nacional, será suicídio. No Uruguai houve um plebiscito para discutir a redução da maioridade penal. E perdeu por que existiu a chance de opiniões não hegemônicas, como a minha, aparecerem com o mesmo tempo de convencimento que esse tipo de jornalismo policialesco, do qual a classe política é refém. Falta coragem para a classe política afrontar as opiniões hegemônicas e abrir um debate nacional verdadeiro sobre questões tão pungentes. A terceirização dos trabalhadores é outro exemplo.
Para ler a entrevista completa, clique aqui (Fonte: Brasileiros)