Dissertação do Departamento de História da FFLCH-USP sob orientação do Prof. Dr. José Carlos S. B. Meihy e defendida em junho de 2002, teve como objetivo produzir uma série de histórias orais de vida com funcionários da FEBEM-SP, o que ajuda a complexificar o cotidiano desta instituição e permite uma visão que vai além dos estereótipos usados para definir estes agentes. Estes narradores, segundo a fala do próprio autor, elaboraram visões do passado de acordo com suas concepções de mundo, interesses atuais, visão sobre a instituição e preocupações em relação à construção de uma imagem pessoal e pública. Uma das intenções desta dissertação é suprir a lacuna de estudos sobre os funcionários da FEBEM, que são considerados “quase que exclusivamente como meros prestadores de serviço que simplesmente aplicavam as normas institucionais quando elas não iam de encontro aos seus interesses que eram identificados normalmente à contenção dos menores” (BRITO, 2002, pag. 33).
Antes de abordar as histórias orais coletadas, Brito nos dá um panorama sobre a linha de história oral a partir da qual desenvolve este trabalho. Segundo o autor, a história oral possibilitou o registro de experiências de grupos pouco ou nada documentados, problema que se mostrou mais ligado a atitude do que a técnica de pesquisa, mas que foi enfrentado a partir das décadas de 60 e 70 com uma mudança da visão sobre a função da história oral, que se desenvolveu particularmente nos Estados Unidos. O autor esclarece que a memória não é algo imutável, frisando o processo de permanente reconstrução da mesma, que ocorre de forma mais ou menos consciente pelo indivíduo em busca de um significado para sua vida. Por isso o estudo da história oral não depende apenas de um pesquisador ou de técnicas habilidosas mas também, dentre outras coisas, do momento, histórico e pessoal, em que o processo de rememoração ocorre. Por isso, a história oral nos fala menos dos eventos em si do que dos significados destes eventos na vida cotidiana, falam mais sobre o agora do que sobre o antes.
Brito define sua rede de entrevistados a partir de uma “colônia”, o conjunto de indivíduos com traços relevantes em comum para o tema de pesquisa. A partir desta, verificou-se a existência de 3 redes, cuja demarcação é importante para identificar as argumentações internas destas: a dos diretores e funcionários de setores administrativos; a dos funcionários de nível técnico, com formação universitária; e a dos monitores e coordenadores de turno. A entrevista decorrente do encontro com pessoas inseridas nestes grupos, depois de transcrita, também passou pela conferência dos entrevistados, e todas as alterações que eles quiseram fazer foram negociadas com o autor. Pelo que percebi, a condução a entrevista foi no sentido de intervir minimamente na fala do entrevistado, de forma que ele se sentisse livre para abordar os assuntos que preferisse, salvo algumas poucas vezes em que o autor fazia uma pergunta mais direcionada. Por isso, as entrevistas apresentadas na dissertação são “‘o retrato oficial’ do entrevistado, sua ‘versão’ da história, que veicula suas mensagens e interpretações sobe sua trajetória subjetiva dentro da FEBEM” (BRITO, 2002, 71).
Brito desenvolve diversas entrevistas, incluindo apenas 6 delas em sua dissertação, pois seriam os relatos orais mais representativos e que melhor ilustrariam a heterogeneidade dos funcionários. O autor esclarece que seu objetivo não é estabelecer conclusões sobe as entrevistas, mas apenas abrir linhas de interpretação com sugestão de temas e de formas de abordagem.
Ao ler as histórias orais percebe-se que elas aproximam-se mais de uma espécie de consideração pessoal sobre como atuam os demais funcionários. Considero um material extremamente potente para abordar a identidade e temas afins relativos ao funcionário da FEBEM e de outras instituições totais. Mas, além disso, percebem-se muitos outros assuntos, como a situação de crise institucional na FEBEM que ocorria nos tempos de então, atuação de antigos diretores ou considerações sobre possíveis futuros da FEBEM enquanto instituição. Visualiza-se facilmente opiniões contrárias dentre os entrevistados, inclusive, no que remete à importância do ECA e ao tratamento que deveria ser dedicado ao interno. Enfim, um texto esclarecedor e extremamente necessário para os tempos de hoje.
Referência:
Indicação de Leitura: BRITO, Fábio Bezerra de. Ecos da FEBEM: História oral de vida de funcionários da Fundação Estadual de Bem-Estar do Menor de São Paulo. Dissertação (Mestrado em História Oral). São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, 2002.